O professor e activista cultural Fausto do Rosário disse hoje que alienar o edifício mais antigo do centro histórico no ano em que se celebra o centenário da cidade é uma “ofensa” e um “presente amargo”.
Esta foi a forma como reagiu ao tomar conhecimento do edital do Ministério das Finanças e do Fomento Empresarial, que através da Direcção-geral do Património e da Contratação Pública, lançou um concurso público para alienação do Fortim D. Carlota Joaquina, ex-cadeia civil, com uma base de licitação, para a primeira praça, de 18.400 contos.
“No ano de centenário da cidade é um presente mais amargado dado pelo Governo”, advogou Fausto do Rosário, lembrando que o Fortim “é simplesmente o prédio mais antigo da cidade, com mais de 300 anos, e um dos poucos exemplos da edificação militar de Cabo Verde”.
Para o mesmo, trata-se do “único exemplo” na ilha do Fogo e, “possivelmente”, depois do Forte São Filipe (Ribeira Grande de Santiago) “é a edificação militar mais antiga e quiçá a única ainda de pé em Cabo Verde”.
O edifício, segundo o activista cultural, é uma “grande parte da memória” da cidade de São Filipe, uma vez que teve várias valências durante esses 300 anos, desde alfândega, casa da guarda, hospital/botica, posto policial e cadeia civil, sendo conhecido por gerações diferentes por esses nomes.
“É a referência do centro histórico da cidade de São Filipe, é um dos espaços de maior importância na obra romanística do escritor e médico, Dr. Teixeira de Sousa, que numa das suas fabulações, começa um dos contos “termo de responsabilidade” por este espaço”, asseverou Fausto do Rosário, lembrando ainda que era o farol mais antigo de Cabo Verde, sinalizando a língua de areia da praia de Bocarrom, farol esse que foi destruído no passado pelo responsável da cadeia civil.
A não preservação de um edifício com mais de 300 anos de história e referência obrigatória na cidade centenária, deixa entender, segundo o mesmo, o porquê de São Filipe estar cada vez mais longe daquilo que se pode chamar a cidade dos sobrados e porque está cada vez mais longe de voltar a estar na lista indicativa de Unesco, como património.
Para Fausto do Rosário, esta situação demonstra que para além dos discursos das autoridades, locais e nacionais, pouco ou nada se faz, ficando pelos elogios, vazio, oco e inócuo e mais nada.
“Espero que a actual câmara municipal seja coerente com a atitude tomada por alguns dos seus integrantes que durante o período de campanha, ao saber desta pretensão do Governo, interpôs uma providência cautelar, impedindo a venda”, disse, sublinhando que espera que a câmara volte a assumir esta mesma posição.
Para o mesmo, o valor da licitação em si “é ridículo para não dizer outra coisa”, e vender este edifício, na zona mais nobre da cidade por 18 mil contos é “dar ao desbarato” e “uma ofensa” à cidade, salientou o activista, sublinhando que neste caso o valor não se coloca, porque o valor patrimonial e histórico de mesmo sobrepõe a tudo isso.
Assim como está, não pode continuar, assegurou a mesma fonte, e a solução passa pela envolvência do Instituto do Património Cultural (IPC), das autoridades com responsabilidades no domínio da Cultura e das demais entidades responsáveis e patrocinadores da recuperação histórica e da memória histórica de Cabo Verde, que devem ter atitude condigna, também para com este edifício.
“Do mesmo modo que não se vende o farol da Cidade da Praia, não se pode vender o Fortim e do mesmo modo que se recuperou e tem recuperado os outros faróis e edifícios militares em Cabo Verde, o Fortim podia e poderá ser recuperado”, defendeu a mesma fonte, sublinhando que quem irá comprá-lo não vai respeitar a traça arquitectónica e isso será “mais uma machada que se vai dar a esta cidade”.
Em Agosto de 2020, os vereadores do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), na altura oposição, ao tomarem conhecimento da possível venda deste edifício, intentaram uma providencia cautelar junto do tribunal da comarca de São Filipe no sentido de precaver prejuízos com tal acto.
Na altura alegaram que prevenir prejuízos e danos a este edifício, que tem um elevado valor histórico e cultura, defendo a especial preservação, protecção e valorização e que uma eventual alienação representava “um autêntico atentado contra o património histórico e cultural de São Filipe, contribuindo para o empobrecimento da identidade sociocultural da cidade e da ilha”.
O Fortim Carlota foi mandado construir a partir de 1667 pelo Capitão-mor Christovam de Gouveia Miranda, em homenagem à rainha D. Carlota Joaquina, esposa de D. João VI, Rei de Portugal.
Nas proximidades do Fortim Carlota existem ainda peças de artilharia pesada (canhões) que demonstra que serviu como ponto de defesa da Vila dos ataques dos corsários.
Em 1870 funcionou como posto aduaneiro, alfândega, mas tarde Botica (hospital), posto policial (depois de 1975) e Cadeia Civil (até 2004). No tempo de crise (1940), o administrador Miliciano utilizou-o como albergue para acolher crianças órfãs e abandonadas
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