Chega-se ao Fogo como quem chega aos “States”. Desembarca-se no aeroporto de S. Filipe com o privilégio de poder tomar um “breakfeast” no “Seafood”, almoçar no “Cap Cod” e jantar no “Open Sky” – muitas vezes sem poder saborear uma papaia, um bago de uva, um queijo de terra, uma boa cachupa ou um vinho Chã.
Quem quiser apreciar a paisagem, num “sightseeing tour” improvisado pelo mundo rural, pode partir de “Las Vegas”, em S. Filipe, contornar a ilha, passando pelo desfraldar de bandeiras americanas pela zona norte, cruzar com o “Boston Corner”, tomar uns copos no “American Bar” e dançar um “foxtrot” no “Underground”.
Ficam, naturalmente, para trás, o Restaurante “Calerom”, o “Kâ Tem Tadju” ou o “Tchon de Café”, porque americanizar passou a ser uma forma de afirmação social…
Já Ana Nhâ Procópio retratava, no século passado, esta “grandeza di Djarfogo” quer através da evocação de famílias outrora importantes na ilha – “Montêro ê doci, Barbosa ê sabi” ou de trocadilhos elucidativos: “amor de branco ê tchuba na mar, amor de mulato ê neba detado, amor de nêgo ê leste na rotcha”.
Pode parecer demasiado empírico sustentar, desta forma, qualquer análise que se quer consequente e suporte para determinada tomada de posição ou definição de políticas porque os factos do quotidiano se apresentam, geralmente revestidos de uma certa temporalidade quase cíclica e repetitiva, por isso mesmo considerados banais, efémeros e fugazes. É, no entanto, da análise de fenómenos específicos do dia-a-dia que se descobre aspectos recônditos que reflectem a verdadeira cultura de um povo, porque a sabedoria popular possui um senso comum, através do qual se pode vislumbrar a percepção e interpenetração da respectiva realidade social. Interpenetração e aculturação sustentada por uma realidade histórica do “ter de partir” cujo grau de “colonização” pressupõe limites nos dias que correm!
É inquietante este espírito evasivo do foguense, de corpo presente no Fogo e espírito e alma nos “States”, particularmente quando aliena profundamente a nossa juventude. O jovem consome pois para satisfazer necessidades materiais, como também para necessidades de natureza psicológica e sócio-cultural! É ora um lenço americano à cabeça, ora um calção “kai-kai” ou um blusão Lakers! O jovem com parentes próximos nos “States” já não se forma, mas sim conforma-se com a ideia de um dia emigrar, perdendo, em Cabo Verde, preciosas oportunidades que a UNI-cv ou o Centro de Formação Profissional – Fogo e Brava oferecem neste momento.
Da nossa última visita à ilha do Fogo na qualidade de Deputado da Nação debatemos a problemática de novas ofertas formativas com os responsáveis locais do IEFP e da UNI-cv, com particular incidência nos Cursos de Estudos Superiores Profissionalizantes (CESP) e formações para o emprego e auto-emprego em áreas novas, como as indústrias criativas (estética e beleza, instrumentos musicais, design, criações para o turismo…). Ora bem, estas últimas apostas exigem uma juventude identificada e engajada com os valores identitários nacionais, base para a criação de produtos “created in Cabo Verde”, atractivos para o turismo cultural que se pretende promover.
É preciso, pois, cultivar e fortalecer a ideia de que “o Nacional é Bom!” Nada é mais precioso que uma boa morna ou coladêra; nada melhor que uma boa “nc´menda di terra”, associando o bom vinho Chã a um prato típico que alicia e faz o turista voltar!
Como é bom o nacional, quer seja “Braga Maria”, “Bokarron”, “Colêxa”, Canizade ou “Alcatraz”!. Alguém me recordou que na simplicidade dos nomes típicos do Fogo existem nomes com estória, tais como: Nhô Tuntun, Lálá de Madalena, Carru-l Pedra, Antoninho Bode, Zagaia, Txontxa Bassora, Tibarom, Bimba, Bikera, Bujarda, Crintxa, Nho Sopa, Saikó, Ze-Boca-Pato, Galo Ferbedu, Dondom, Neguim, Tote Faticera, Tigela, Dotom, Gazeada, Adju, Budjodja, Reté, Rabo Largatixa, Grilo, Cafanhotim, Tota, Pilau, Pilacho, Cumpa, Lapizera, Nhuco, Codeda, Sargado, Brusguia, Mane Bombazina, Mane Pintadinha, Lalo Digudjadu, Preto-Preto, Nene-Pucha-Corda, Conlicensa, Pêpê di Castigo, Salunguim, Piscoz di Cabra, Pote, Bidja, Bidion, Cipaio, Quarta, Bitxim, Mandriam, Bode Loba, Lixoca, Partalacha, Papacho, Txorisso, Txildau, Txilau, Fadigado, Nho Gato, Ratom, Ratim, Pexim, Falili, Ze Dropiz, Scalda Boia, Tote Burrufu, Fambil, Bidion, Unheca Baca, Langudjone, Tana nha Buloba, Scontra, Ze di Tubexa, Pamatcho, Lesca, Rompe, Barimbota, Maçã di Nhâ Lena…
Se à estória desses nomes, associarmos a saudade e a morabeza destas ilhas, seremos eterna referência para cada turista que nos visita, garantindo a sustentabilidade de um sector que não deverá viver apenas a nossa época, mas também a dos nossos filhos.
Num “Cabo Verde em transformação” vale recordar o filosofo Heráclito que defendia a ideia de que o agente transformador é o fogo: ele purifica e faz parte do espírito dos homens. Estes conceitos inspiraram os cientistas que exploraram na prática a união do material com o imaterial através do fogo: os famosos alquimistas. Nós do Fogo vivemos do fogo, como também do material e do espiritual, reunindo todas as condições para transformar o mundo, a partir do Fogo!
Por Lívio Lopes